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Claro


Publicado em:20/03/2015


Processo nº:007306-86.2011.8.17.0001 - Claro S/A - Sociedade Prestadora de Serviços de Telecomunicações.

Assunto:Envio de mensagem de cobrança pela Claro aos seus usuários, pelo celular.

Vitória:

SENTENÇA MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO ingressou com AÇÃO CIVIL PÚBLICA em desfavor de CLARO S/A, ambos qualificados e representados. Na inicial, narra, em resumo, que a demandada - na cobrança dos serviços prestados - utiliza da prática de inserir a seguinte mensagem na linha do usuário supostamente em débito, quando da realização de ligação por parte deste: "Cliente claro, até o momento não identificamos o pagamento de sua conta, solicitamos que seja realizado, evitando a suspensão do serviço prestado, caso já tenha sido efetivado, por favor desconsidere esta mensagem." - de modo que, segundo seu dizer, tal fato constitui prática abusiva, caracterizadora de dano moral coletivo, notadamente porque submete o consumidor a constrangimentos decorrentes da obrigatoriedade de ouvir uma prévia cobrança a cada ligação realizada. Por fim, após narrar sua legitimidade e a extensão da decisão a todo território nacional, requereu tutela antecipada com vistas à suspensão das mensagens supra, bem como a procedência do feito para que a ré não veicule as informações objeto dos autos, assim como que pague a importância de R$ 300.000,00 a título de dano moral coletivo. À inicial não foram instruídos quaisquer documentos. Com o despacho de fls. 19, determinei a citação da parte adversa e me reservei para apreciar a tutela antecipada após a triangulação processual. Citada, a demandada apresentou tempestivamente a contestação de fls. 39/60 - acompanhada do documento de mérito de fls. 61/62. Os instrumentos de representação foram colacionados às fls. 25/34. Com a peça de bloqueio, narra, em síntese, e em preliminar, a inépcia da inicial - ante a ausência de documento essencial à compreensão da lide. No mérito, suscita a inexistência de violação ao CDC, haja vista que as mensagens veiculadas constituem exercício regular de um direito e não caracterizam prática abusiva e qualquer constrangimento aos consumidores. Descreve, em seguida, a natureza do aviso e do mesmo modo a sua legalidade; a ausência de dano moral coletivo; a limitação territorial da sentença na presente ação civil pública; a ausência dos requerimentos para o deferimento da tutela antecipada, assim como a total improcedência dos pleitos autorais. Réplica de fls. 74/76 - acompanhada do Procedimento de Investigação Preliminar. É o que havia de importante a relatar. Decido. O mérito comporta julgamento antecipado - art. 355, I, do CPC. Inicialmente, analiso a preliminar de inépcia da inicial (ausência de documento essencial à compreensão da lide). Sem razão o contestante. Segundo o art. 330, §1º, I a IV, do Código Processual, a inicial será inepta quando lhe faltar pedido ou causa de pedir, o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico, da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão, contiver pedidos incompatíveis entre si. Na hipótese, a narrativa de defesa, como se percebe, não se insere em qualquer das possibilidades transcritas - o que importa reconhecer que não há que se falar em inépcia. Preliminar rejeitada. Passo a analisar o mérito. Preambularmente, destaco que conquanto narrado alhures que o autor não acostou à inicial qualquer documento com vistas a provar o alegado, qual seja, as mensagens veiculadas pela ré aos usuários de seus serviços, restou incontroverso no feito as suas existências (mensagens), na medida em que a própria demandada reconhece o envio daquelas aos seus usuários inadimplentes, fato, portanto, que não depende de prova - art. 374, II, do CPC. O cerne do conflito, pois, reside saber se a mensagem "Cliente claro, até o momento não identificamos o pagamento de sua conta, solicitamos que seja realizado, evitando a suspensão do serviço prestado, caso já tenha sido efetivado, por favor desconsidere esta mensagem", veiculada reiteradamente, a cada ligação, constitui prática abusiva, ao argumento de que constrange o usuário. O caput do art. 42 do Código de Defesa do consumidor, indubitavelmente aplicado à espécie, dispõe que na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. (destaquei) Convém anotar que o constrangimento mencionado na cabeça o art. 42 do CDC, não se restringe à exposição de uma pessoa perante terceiros; a convivência intersubjetiva exclusivamente entre credor e devedor também pode importar em constrangimento. Na base do dispositivo suso, está contida a regra do não exercício abusivo de um direito, sou seja, a concessionária credora, como qualquer outro credor, tem agasalhado no ordenamento jurídico o direito de cobrar o seu crédito, entretanto, torna-se ilícito o exercício de um direito subjetivo no momento em que não observa padrões de conduta que se alinhem com a promoção do bem comum e/ou se revelem desarrazoado. Neste sentido, vários dispositivos indicam a necessidade de observância de limites éticos no exercício de um direito subjetivo, seja no convívio social, seja nas relações de natureza negocial, como se infere dos transcritos artigos do Código Civil vigente, alinhados principiologicamente com o mencionado art. 42 do CDC e, portanto, incidentes na espécie por força do art. 7º da mencionada lei protecionista: Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. No caso em tela, a mensagem "Cliente claro, até o momento não identificamos o pagamento de sua conta, solicitamos que seja realizado, evitando a suspensão do serviço prestado, caso já tenha sido efetivado, por favor desconsidere esta mensagem", por si somente não constitui o exercício abusivo do direito de cobrar. Contudo, a ilicitude se inicia quando mencionado exercício de um direito subjetivo passa a ser diário, a cada ligação feita pelo usuário, ainda que devedor da fatura cobrada, porque interfere diretamente na sua qualidade de vida e se demonstra desnecessária para impelir o devedor a efetuar o pagamento almejado pela operadora. A conduta mencionada não se alinha com os objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo, prevista na cabeça do art. 4º do CDC, segundo a qual dita política tem por objetivo a melhoria da qualidade de vida do consumidor: Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios[...] A leitura sistemática do art. 4º com os artigos 6º, IV, e art. 42 do CDC, nos autoriza concluir que a ninguém é dado o subjetivo direito de desassossegar ninguém, ainda que no exercício de um direito subjetivo. A operadora poderia cobrar o seu crédito, inclusive com a mensagem mencionada; lícita e legítima seria a sua conduta se a cobrança robotizada observasse um razoável intervalo de tempo, como, por exemplo, a cada 02 dias, na primeira ligação efetuada, ou mesmo a cada dia, uma única vez. O princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade se materializa quando são observados os subprincípios nele contidos, quais sejam, da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, no caso concreto é necessário que a operadora cobre, é adequado que o faça através de mensagem escrita ou auditiva, porém não se demonstra proporcional em sentido estrito. O exame da desproporcionalidade em sentido estrito pressupõe uma análise dos interesses juridicamente colidentes na questão posta. Revela-se desarrazoado que a operadora veicule a mensagem de cobrança mencionada diariamente, a cada utilização do seu serviço, pois, no balanceamento dos interesses envolvidos, quais sejam, recebimento do crédito e qualidade de vida do usuário (ainda que efetivamente seja devedor), a renitente ladainha eletrônica atinge este último, que poderia ser respeitado sem prejuízo da preservação do legítimo interesse de receber o crédito e de cobrar se a cobrança fosse feita de forma proporcional, razoável. Abala a qualidade de vida do usuário, ainda que seja devedor, e lhe causa constrangimento indesejado pelo direito a mensagem cotidiana já referida, o que constitui ato ilícito por parte da operadora. Os usuários da operadora não podem renunciar à tranquilidade que lhe é reconhecida pelo direito, na medida em que ligadas diretamente à sua dignidade e reconhecidas por dispositivo cogente, intangível à vontade dos próprios titulares, pois, do contrário, o desassossego social poderia se concretizar e ser reconhecido como uma conduta legítima, o que significa dizer que mencionado interesse transcende aos próprios usuários da operadora, ou seja, é transindividual. Tal interesse jurídico, a uma vida tranquila, pertence não só àqueles que mantêm vínculo contratual com a ré, mas aos potenciais clientes dela, o que significa dizer que as pessoas protegidas pela pretensão ministerial de impedir a veiculação da cobrança como vem sendo feita, beneficia indetermináveis pessoas. Nestes termos, é clarividente o ilícito cometido pela ré, quer seja pelo desrespeito aos já citados dispositivos legais, quer seja pela ofensa realizada à dignidade da pessoa humana de seus consumidores e a violação das suas honras, art. 1º, III, art. 5º, X, da CRFB/88, bem como a não observância do dever de ofertar serviços adequados aos fins visados e de qualidade, e, do mesmo modo por não materializar, injustamente, a harmonia dos interesses dos que participam da relação consumerista, especialmente por não agir de boa-fé sempre visando ao equilíbrio contratual - art. 4º, II, 'd', III, do CDC. Reconhecido o ato contrário ao ordenamento jurídico, passo a analisar o dano e o nexo de causalidade, não sendo necessário averiguar eventual culpa da operadora telefônica porque objetiva sua responsabilidade, conforme dispositivo já transcrito. "Como categoria autônoma de dano, a qual não se relaciona necessariamente com os tradicionais atributos da pessoa humana relativos à dor, sofrimento ou abalo psíquico, é possível afirmar-se cabível o dano moral coletivo". (REsp 1.293.606-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/9/2014) Outrossim, "Sempre que ocorrer ofensa injusta à dignidade da pessoa humana restará configurado o dano moral, não sendo necessária a comprovação de dor e sofrimento. Trata-se de dano moral in re ipsa (dano moral presumido)." STJ. 3ª Turma. REsp 1.292.141 SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/12/2012 (Info 513 STJ), No caso em apreço, já delineei argumentos sobre a ofensa à dignidade da pessoa humana que restou caracterizada com a conduta da demandada - considerada indevida. Tal ofensa, por sua vez, justifica a verificação daquele dano (coletivo), especialmente porque, no caso, não está interligado à existência de dor, sofrimento, angústia, e/ou qualquer outro sentimento negativo indevidamente experimentado pelos consumidores da ré - não obstante ser possível inferir que, no mínimo, aqueles experimentaram injustamente angústia, raiva, vexame e constrangimento, em razão das condutas objeto dos autos - mas sim em razão do desrespeito (e ofensa mencionada) aos dispositivos legais supra. Ademais: O dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. (BITTAR FILHO, Carlos alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro.). Portanto, caracterizado está o dano que se pretende reparar, bem como facilmente se percebe o nexo de causalidade descrito, haja vista que se o réu não agisse da maneira aqui considerada ilícita, dano algum causaria a seus consumidores, razão pela qual passo a fixar o quantum indenizatório com vistas a materializar o preceito normativos esposado no art. VI, do CDC, lastreado na razoabilidade e proporcionalidade, bem como nos vieses de que aquela deve servir, quais sejam, reparar o dano praticado e constituir-se como meio de punição à ré para que não mais haja da maneira considerada contrária ao ordenamento jurídico. O MPPE requereu a condenação da demandada no patamar de R$ 300.000,00. Entretanto, entendo, tal valor foge da razoabilidade/proporcionalidade antes mencionada, bem como porque o STJ, quando do julgamento do REsp 1.221.756, ao fixar o dano moral coletivo a ser pago pela instituição financeira naquele caso analisado, fixou o montante de R$ 50.000,00 como valor condizente à reparação mencionada, o que - não obstante se tratar de situação fático-processual diversa da dos autos - serve de parâmetro para este juízo visando ao alinhamento do aqui exposto com o determinado pela Corte Superior de Justiça. Nestes termos, a indenização no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) que agora determino é condizente com tudo o exposto, bem como aos princípios mencionados, não se perdendo de vista o patamar indenizatório fixado pelo STJ, conforme descrito, bem como condizente com a capacidade financeira da ré, haja vista que o montante citado não ocasionará sua ruína financeira, tampouco se trata de valor ínfimo/módico/irrisório. Por fim, decido, agora, sobre a extensão do presente julgado. É certo que o art. 16 da LACP preceitua que: Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. Todavia, o STJ, inclusive recentemente, dispôs que: No julgamento do recurso especial repetitivo (representativo de controvérsia) n.º 1.243.887/PR, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a regra prevista no art. 16 da Lei n.º 7.347/85, primeira parte, consignou ser indevido limitar, aprioristicamente, a eficácia de decisões proferidas em ações civis públicas coletivas ao território da competência do órgão judicante. 2. Embargos de divergência acolhidos para restabelecer o acórdão de fls. 2.418-2.425 (volume 11), no ponto em que afastou a limitação territorial prevista no art. 16 da Lei n.º 7.347/85. (EREsp 1134957/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em 24/10/2016, DJe 30/11/2016) (destaquei) Oportuno, ao deslinde, colacionar o trecho do voto do Min. Luis Felipe Salomão, no REsp 1.243.887/PR (STJ. Corte Especial, julgado em 19/10/2011): "A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos - como coisa julgada e competência territorial - e induz a interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os "efeitos" ou a "eficácia" da sentença podem ser limitados territorialmente, quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada - a despeito da atecnia do art. 467 do CPC - não é "efeito" ou "eficácia" da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la "imutável e indiscutível". É certo também que a competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os "limites da lide e das questões decididas" (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474, CPC) - tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari debebat. A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides. A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas. A questão principal, portanto, é de alcance objetivo ("o que" se decidiu) e subjetivo (em relação "a quem" se decidiu), mas não de competência territorial." Desse modo, a decisão aqui proferida não se limita ao respectivo território geográfico, mas sim, alcança todo o território nacional. Isto posto, com base nos argumentos e dispositivos elencados, aos quais acresço o art. 85, art. 300, art. 487, I, do CPC, art. 11, art. 12 da LACP, JULGO PROCEDENTE EM PARTE a pretensão autoral, extinguindo o feito com o exame do mérito, para condenar a ré - inclusive em sede de tutela de urgência - na obrigação de não fazer a veiculação de mensagens interpostas de cobrança, nas chamadas realizadas pelos consumidores usuários de seus serviços em todo o Brasil, no prazo de 48 horas a partir da intimação desta decisão, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 em caso de descumprimento, bem como condená-la a pagar a indenização pelo dano moral coletivo causado no patamar de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), que deverá ser atualizada pela tabela do ENCOGE, da data de hoje até o pagamento, mais juros de mora de 1% ao mês, da data da citação válida até o pagamento. Condeno a ré nas custas processuais não recolhidas. Sem honorários em favor do MPPE (AgRg no REsp 1386342). Intime-se pessoalmente a ré - com urgência - sobre a tutela concedida. Intime-se pessoalmente o MPPE. P.R.C. Recife, 24 de maio de 2017. Luiz Mário de Góes Moutinho Juiz de Direito 3 G



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