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COMPESA


Publicado em:15/01/2018


Processo nº:0000130-51.2015.8.17.0410 - COMPANHIA PERNAMBUCANA DE SANEAMENTO

Assunto:Não atendimento aos padrões mínimos de potabilidade da água fornecida a população da cidade de Calçado/PE.

Decisão provisória:

Processo nº 0000130-51.2015.8.17.0410

Ação Civil Pública

Autor: Ministério Público

Réu: COMPESA

 

SENTENÇA EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. COMPROVAÇÃO DE CONTAMINAÇÃO. PROCEDENTE EM PARTE. No caso em tela, é fato incontroverso que a água fornecida à população desse município não tinha tratamento adequado, sendo imprópria para o consumo humano, o que perdurou por mais de 1 (um) ano. Parcialmente procedente.

 

I - RELATÓRIO Trata-se de Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público, em face de COMPESA, também qualificada e assistida por advogado. Em sua inicial de fls. 02/23, alega, em resumo, que a ré não vem oferecendo água à população de Calçado respeitando os padrões mínimos de potabilidade. Asseverou que segundo relatório da V Geres, a água consumida pela população dessa cidade está contaminada por coliformes totais e escherichia coli, ocasionando risco à saúde do consumidor. Requereu a antecipação de tutela e a condenação da requerida em danos materiais e morais coletivos, bem como a condenação genérica da requerida em danos materiais e morais individualmente sofridos pelos consumidores. Juntou documentos de fls.24/243.

 

Devidamente citada, a ré apresentou defesa na forma de contestação de fls.304/342. Afirmou que não há que se falar em má qualidade da água tratada, tendo em vista que a estação de tratamento da água foi paralisada, em virtude da seca. Relatou que por isso não foi possível realizar os ensaios de qualidade. Destacou ainda que as amostras de água contaminadas se referem a caminhões-pipa e poços artesianos, não sendo de responsabilidade da ré, segundo afirma.

 

A demandada relatou que não existem nos autos prova de prejuízo à saúde dos consumidores. Requereu ainda a improcedência dos pedidos liminares e a improcedência total dos pedidos do autor. Juntou procuração e documentos. (fls. 343/418) O Ministério Público ofertou réplica reiterando os termos da inicial. (fls.420/427) A liminar foi deferida no sentido de determinar que a requerida realizasse a análise da água na respectiva Estação de Tratamento (no mínimo duas amostras semanais); que apresentasse relatórios mensais, durante 24 (vinte e quatro) meses, contendo o mínimo de oito análises semanais da qualidade da água por ela fornecida tanto por meio da rede de distribuição, como por meios alternativos, colhidas nos pontos críticos, a serem realizadas no laboratório atualmente credenciado pela Ré, devendo, ainda, essa demonstrar, em Juízo, que esse laboratório preenche os requisitos descritos na portaria n. n. 2914/11; que fornecesse imediatamente água própria para o consumo humano, dentro dos padrões de potabilidade estabelecidos pela legislação, realizando a pronta correção de qualquer irregularidade eventualmente constatada. (fls.429/435). Designada audiência para o dia 14/04/2016, restou frustrada a tentativa de conciliação (fl. 486). Na oportunidade foi realizada a audiência de instrução e julgamento, sendo ouvidas a preposta da demandada e uma testemunha arrolada pela ré. (fls.486 e 488).

 

O Ministério Público ofertou alegações finais. (fls. 528/541) A defesa apresentou alegações finais. (fls. 523/526) Vieram os autos conclusos. É o relatório. Passo a decidir.

 

II - FUNDAMENTAÇÃO MÉRITO Trata-se de ação civil pública, cuja causa de pedir remota reside nos danos emergentes que a população de Calçado teria sofrido em decorrência da água contaminada fornecida pela Compesa. A ré, em sua defesa, afirmou que a ocorrência de contaminação das águas refere-se à caminhões-pipa e poços artesianos, não sendo de sua responsabilidade tal contágio. Passo à análise. Entendo que o pedido autoral deve ser julgado procedente. Fundamento. O direito público subjetivo ao consumo de água com qualidade decorre do próprio direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e do direito à saúde. Compreensão dos artigos 196 e 225 da Constituição Federal.

 

A Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90) disciplina a saúde como direito fundamental, impondo ao Poder Público, incluídas aí as concessionárias de serviços públicos, o dever de redução de riscos de doenças e outros agravos, decorrentes da prestação do serviço, e ações destinadas a garantir às pessoas condições de bem-estar físico, mental e social. O conceito de cidade sustentável (Lei 10.257/01) está relacionado com o direito ao saneamento ambiental e à infraestrutura urbana. A água é um dos elementos de maior importância para todas as formas de vida na terra e ela está presente em todos os organismos vivos, fazendo parte de uma infinidade de substâncias e órgãos.

Além disso, transporta diversos compostos nutritivos dentro do solo, ajuda a controlar a temperatura de nossa atmosfera e apresenta uma série de funções de extrema importância e valor. Doenças transmitidas por meio da ingestão de águas contaminadas estão entre os principais riscos para a saúde do ser humano. São mais de duzentas e cinquenta enfermidades que podem ser transmitidas desta forma, causadas por agentes infecciosos.

Tais doenças podem ocorrer nas infraestruturas de companhias de saneamento inadequado. As principais doenças transmitidas por via aquática contaminadas são: a cólera, a amebíase, a hepatite A, a febre tifoide, a diarreia infecciosa e a leptospirose. O fornecimento de água própria para o consumo humano é de responsabilidade do poder público através da responsabilidade das companhias de saneamento que têm como obrigação fornecer ao consumidor água dentro dos padrões de portabilidade exigidos pela legislação específica.

A água tem que ser adequada para o consumo humano, ou seja, ser potável, não oferecendo risco a saúde das pessoas, necessitando assim da aplicação de todos os produtos químicos utilizados para o tratamento e a transformação da água potável. No caso dos presentes autos, do acervo probatório, resta demonstrado que o meio ambiente sofreu um dano, a partir do momento em que a empresa requerida forneceu à população água contaminada, e que o acontecimento de tal evento danoso teve contribuição da demandada. A Compesa em sua contestação, diante dos laudos que o Parquet tomou por base, afirmou que uma eventual positividade para contaminação na água não conclui a má qualidade do serviço (fls.306). Disse ainda que a positividade no exame não significa contaminação aos usuários, não representando iminente risco para saúde dos consumidores.

Entretanto, ao mesmo tempo que afirma que a água ofertada não oferece risco à população, diz que após um laudo positivo orienta a população quanto aos cuidados com a água (fls.319). Ora, uma declaração um tanto quanto controversa, haja vista que se não há risco aos cidadãos, como afirma a ré, por que promove a orientação acerca dos cuidados com a água? A demandada, ainda em sede de contestação, declara que a água contaminada é proveniente de poços de água não tratada e de carros-pipa, não sendo da responsabilidade da concessionária demandada. Pondera que a positividade questionada pelo Ministério Público se refere aos meses de novembro/13 e maio/14, porém a requerida afirma que empreendeu ações para melhorar a qualidade da água, havendo uma recoleta em maio/14, não havendo ocorrência. Tal argumento não merece prosperar. O relatório confeccionado pela V Gerência Regional de Saúde de fls. 203/214, 234-A, 300, atesta que a água tratada fornecida pela Compesa, em três pontos de coleta, foi detectada a presença de coliforme total e de escherichia coli em março/14 e abril/15. Apesar da negativa da requerida, conforme se depreende do sobredito relatório, a água contaminada estava presente no hidrômetro, o que fulmina com os argumentos da demandada de que a água contaminada é proveniente de carros-pipa e de poços artesianos. Cabe ressaltar que o fornecimento de água é considerado um direito social assegurado pelo artigo 6°, da Constituição Federal.

O artigo 8º do Código de Defesa do Consumidor também determina que os produtos e serviços colocados no mercado não devem acarretar risco à saúde ou segurança dos consumidores, sendo essa prática vedada pelo artigo 39, inciso VIII. A responsabilidade da Compesa se mostra evidente, visto que não produziu qualquer prova capaz de concluir que a sua conduta, ao deixar de tratar a água de modo satisfatório para consumo, vindo a causar danos ao meio ambiente natural e artificial, não contribuíra decisivamente para o evento danoso.

De igual forma, é ônus do réu a prova de fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito autoral, não tendo a concessionária ora ré se desincumbido desse mister. Não é aceitável o argumento de que o sistema estava em colapso, concluindo a demandada que não há que se falar em água contaminada, sem haver abastecimento. Ora, o relatório acima referido atesta que a água se encontrava no hidrômetro, ou seja, fornecida pela Compesa, concluindo-se que no período da análise havia o devido fornecimento de água. É reconhecida a culpa da demandada pelo evento danoso - estando estabelecido o nexo de causalidade entre a falta de cumprimento de obrigação de fornecer água potável à população e o dano resultante. Meio Ambiente é, tudo o que está ao nosso redor. O ar, a água, o solo e todos os seres vivos são os elementos da Natureza. Ar, água e solo constituem o meio físico.

 

Animais, vegetais e demais seres vivos compõem o meio biológico. Uma vez ofertado aos cidadãos uma água imprópria ao consumo, como é o caso dos autos, há um dano ambiental, pois há uma lesão ao direito dos habitantes dessa cidade em ter acesso a uma água de qualidade, muitas vezes essa mesma água é utilizada para saciar a sede do gado, sendo também fornecida para diversos animais domésticos. Ademais, essa mesma água com coliforme total e escherichia coli (coliforme fecal) o cidadão utiliza na irrigação da lavoura. Sendo assim, evidente o dano ambiental causado pela demandada. Assim, houve fornecimento de água à população fora dos padrões de potabilidade, apesar da negativa da demandada, devendo consequentemente, responder pelos danos morais coletivos, ante o dano ambiental.

 

Sobre o tema, entendo não ser essencial à caracterização do dano extrapatrimonial coletivo prova de que houve dor, sentimento, lesão psíquica, afetando"a parte sensitiva do ser humano, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas" (Clayton Reis, Os Novos Rumos da Indenização do Dano Moral, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 236), ou" tudo aquilo que molesta a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado"(Yussef Said Cahali, Dano Moral, 2ª ed., São Paulo: RT, 1998, p. 20, apud Clayton Reis, op. cit., p. 237), pois como preconiza Leonardo Roscoe Bessa: (...) a indefinição doutrinária e jurisprudencial concernente à matéria decorre da absoluta impropriedade da denominação dano moral coletivo, a qual traz consigo - indevidamente - discussões relativas à própria concepção do dano moral no seu aspecto individual. (apud Dano Moral Coletivo, p. 124)

Na doutrina, há vários pronunciamentos pela pertinência e necessidade de reparação do dano moral coletivo. José Antônio Remédio, José Fernando Seifarth e José Júlio Lozano Júnior informam a evolução doutrinária. Diversos são os doutrinadores que sufragam a essência da existência e reparabilidade do dano moral coletivo: Limongi França sustenta que é possível afirmar a existência de dano moral: "à coletividade, como sucederia na hipótese de se destruir algum elemento do seu patrimônio histórico ou cultural, sem que se deva excluir, de outra parte, o referente ao seu patrimônio ecológico". Carlos Augusto de Assis também corrobora a posição de que é possível a existência de dano moral em relação à tutela de interesses difusos, indicando hipótese em que se poderia cogitar de pessoa jurídica pleiteando indenização por dano moral, como no caso de ser atingida toda uma categoria profissional, coletivamente falando, sem que fosse possível individualizar os lesados, caso em que se ria conferida legitimidade ativa para a entidade representativa de classe pleitear indenização por dano moral. Carlos Alterto Bittar Filho leciona: "quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico". Assim, tanto o dano moral coletivo indivisível (gerado por ofensa aos interesses difusos e coletivos de uma comunidade) como o divisível (gerado por ofensa aos interesses individuais homogêneos) ensejam reparação. Doutrinariamente, citam-se como exemplos de dano moral coletivo aqueles lesivos a interesses difusos ou coletivos: "dano ambiental (que consiste na lesão ao equilíbrio ecológico, à qualidade de vida e à saúde da coletividade), a violação da honra de determinada comunidade (a negra, a judaica etc.) através de publicidade abusiva e o desrespeito à bandeira do País (o qual corporifica a bandeira nacional). (in Dano moral. Doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 34-5). E não poderia ser diferente porque as relações jurídicas caminham para uma massificação, e a lesão aos interesses de massa não podem ficar sem reparação sob pena de criar-se litigiosidade contida que levará ao fracasso do direito como forma de prevenir e reparar os conflitos sociais.

 

A reparação civil segue em seu processo evolutivo, iniciado com a negação do direito à reparação do dano moral puro para a previsão de reparação de dano a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, ao lado do já consagrado direito à reparação pelo dano moral sofrido pelo indivíduo e pela pessoa jurídica (cf. Súmula 227/STJ). " os direitos de personalidade manifestam-se como uma categoria histórica, por serem mutáveis no tempo e no espaço. O direito de personalidade é uma categoria que foi idealizada para satisfazer exigências da tutela da pessoa, que são determinadas pelas contínuas mutações das relações sociais, o que implica a sua conceituação como categoria apta a receber novas instâncias sociais" (cf. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental. Do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 287).

 

Como constata Xisto Tiago de Medeiros Neto: "Dessa maneira, o alargamento da proteção jurídica à esfera moral ou extrapatrimonial dos indivíduos e também aos interesses de dimensão coletiva veio a significar destacado e necessário passo no processo de valorização e tutela dos direitos fundamentais. Tal evolução, sem dúvida, apresentou-se como resposta às modernas e imperativas demandas da cidadania. Ora, desde o último século que a compreensão da dignidade humana tem sido referida a novas e relevantíssimas projeções, concebendo-se o indivíduo em sua integralidade e plenitude, de modo a ensejar um sensível incremento no que tange às perspectivas de sua proteção jurídica no plano individual, e, também, na órbita coletiva.

É inegável, pois, o reconhecimento e a expansão de novas esferas de proteção à pessoa humana, diante das realidades e interesses emergentes na sociedade, que são acompanhadas de novas violações de direitos". (Dano moral coletivo. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 121) O mesmo autor sintetiza os requisitos para configuração do dano moral coletivo: "Em suma, pode-se elencar como pressupostos necessários à configuração do dano moral coletivo, de maneira a ensejar a sua respectiva reparação, (1) a conduta antijurídica (ação ou omissão) do agente, pessoa física ou jurídica; (2) a ofensa a interesses jurídicos fundamentais, de natureza extrapatrimonial, titularizados por uma determinada coletividade (comunidade, grupo, categoria ou classe de pessoas); (3) a intolerabilidade da ilicitude, diante da realidade apreendida e da sua repercussão social; (4) o nexo causal observado entre a conduta e o dano correspondente à violação do interesse coletivo (lato sensu)". (idem, p. 136) Provada pois, a conduta antijurídica da ré e a ofensa a interesses jurídicos fundamentais, de natureza extrapatrimonial, titularizados pela população de Calçado. Entendo que é intolerável o ilícito pratico pela ré, diante da gravidade e da sua repercussão social, e que restou provado o nexo causal observado entre a conduta da demandada e o dano correspondente à violação do interesse coletivo.

O dano moral deve ser averiguado de acordo com as características próprias aos interesses difusos e coletivos, distanciando-se quanto aos caracteres próprios das pessoas físicas que compõem determinada coletividade ou grupo determinado ou indeterminado de pessoas, sem olvidar que é a confluência dos valores individuais que dão singularidade ao valor coletivo. O dano extrapatrimonial atinge direitos de personalidade do grupo ou coletividade enquanto realidade massificada, que a cada dia reclama mais soluções jurídicas para sua proteção.

É evidente que uma coletividade pode sofrer ofensa à sua honra, à sua dignidade, à sua boa reputação, à sua história, costumes, tradições e ao seu direito a um meio ambiente salutar para si e seus descendentes. Isso não importa exigir que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado. Essas decorrem do sentimento de participar de determinado grupo ou coletividade, relacionando a própria individualidade à ideia do coletivo. Assim sendo, provada pois, a responsabilidade civil da Compesa, reconheço assim, a possibilidade de existência de dano extrapatrimonial coletivo, decorrente de dano ao meio ambiente natural e artificial, podendo o mesmo ser examinado e mensurado. O art. 22 do CDC (Código de Defesa do Consumidor) dispõe que: "Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos".

 

É preciso entender que o CDC tem natureza contratual, no tocante aos serviços públicos, no parágrafo único do referido artigo: "Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código", fica evidenciado que os serviços públicos tutelados pelo CDC serão aqueles que terão uma natureza contratual, e melhor dizendo, aqueles que tem uma ideia de contraprestação, onde o consumidor vai pagar pelo que recebe e na medida que recebe. Ou seja, o consumidor contrata o serviço e aceita pagar por ele uma tarifa ou preço público. Destarte, afasto a tese da defesa de que o CDC é inaplicável em casos de serviço de saneamento básico.

A rigor, o dano causado à esfera ambiental não pode ser recomposto, já que é imensurável em termos de equivalência econômica. A indenização a ser concedida é apenas uma justa e necessária reparação em pecúnia, como forma de compensar a violação aos direitos da personalidade. A dificuldade na avaliação da extensão do "preço da dor", até pela ausência de critério legal, não pode constituir óbice jurídico à sua reparação. A ordem jurídica brasileira, já há muito, consagrou a ressarcibilidade dos danos morais no rol de direitos fundamentais do art. 5º da Constituição, em seu inciso V. Na escassez de critérios legais estabelecidos, mas tendo em vista a plena reparabilidade dos danos morais, buscarei me ater ao caráter reparatório da indenização. Ressalte-se que a única norma civilista que dispõe sobre a matéria é o art. 944 do Código Civil, o qual estabelece em sua literalidade: "A indenização mede-se pela extensão do dano". Ademais disto, a jurisprudência pátria firmou entendimento no sentido de que a indenização pelo dano moral deve ser assentada com a observância de vários outros critérios, a saber, a situação econômico-social de ambas as partes, o abalo físico/psíquico/social sofrido, o grau da agressão e a intensidade do dolo/culpa do agressor (STJ, REsp 355392/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 26.06.2002, p. em DJ de 17.06.2002). Tentarei aqui, portanto, liquidar o seu valor de acordo com as características de tempo e lugar em que ocorreu o ato ofensivo, bem como em atenção ao perfil da vítima e do ofensor, pautando-me sempre pela razoabilidade, pela equidade e pela justiça, sem permitir que a indenização se converta em enriquecimento sem causa de nenhuma das partes. Os danos causados ao meio ambiente pelo fornecimento de água imprópria para o consumo.

 

Embora se trate, em princípio, de descumprimento de dever contratual, os efeitos deste inadimplemento foram intensos o suficiente para atingir direitos subjetivos do consumidor, pelo que é devida a indenização. No caso em apreço, há registro de que a água foi fornecida à população de Calçado fora dos padrões de potabilidade por mais de 1 (um) ano. Vale ressaltar que conforme o relatório da Geres, o município de Calçado encontra-se na zona epidêmica de diarreia. (fls.40v) Assim, pelos danos ambientais causados pela privação do consumidor ao acesso do bem de primeira necessidade com qualidade, e diante do lapso despendido, entendo ser razoável arbitrar a quantia de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a ser revertido ao Fundo estadual do Consumidor, pelos danos morais e materiais coletivos sofridos. A culpa da demandada se revelou normal, comparada a eventos da mesma espécie. Impossível, deste modo, a redução equitativa da indenização pela culpa levíssima, a mercê do que possibilita o art. 944, parágrafo único, do CC/02. O Ministério Público requereu ainda uma indenização por danos morais e materiais individuais. Entendo que nesse ponto não lhe assiste razão, digo isso porque não há nos autos, como destacado pela demandada, qualquer prova que uma determinada pessoa sofreu danos à sua saúde pelo consumo da água fornecida pela requerida. Quanto aos efeitos da tutela antecipada deferida às fls.429/435, tenho por bem manter apenas o item "a" e "c", pois uma vez julgado o mérito da lide, torna-se desnecessário obrigar a demanda a juntar relatórios mensais, haja vista que a convicção foi formada.

 

III - DISPOSITIVO Ante todo o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, dou por resolvido o mérito deste processo e julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora para CONDENAR a demandada: * a pagar a título de indenização por danos morais e materiais coletivos, o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a ser revertido ao Fundo Estadual do Consumidor; * DETERMINAR que realize a análise da água na respectiva Estação de Tratamento no número previsto na legislação vigente (anexo XIII da Portaria 2914/11 (no mínimo duas amostras semanais); * DETERMINAR que forneça imediatamente água própria para o consumo humano, dentro dos padrões de potabilidade estabelecidos pela legislação, realizando a pronta correção de qualquer irregularidade eventualmente constada. Desde já, fixo multa diária para o caso de descumprimento que arbitro no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), por semana de atraso, a ser revertido em favor do Fundo Estadual do Consumidor, o que faço na forma do 11 da Lei n. 7.347/85. No que se referem às astreintes acima fixadas, estas deverão incidir a partir do 31º (trigésimo primeiro) dia, contadas da intimação da demandada. Sobre o valor da indenização, incidirá de juros de mora de 1% a.m., a partir da data do evento danoso (Súmula 54 do STJ), ou seja, a primeira medição, e correção monetária pela tabela da ENCOGE, a do arbitramento, conforme entendimento, quanto à correção, consubstanciado na súmula 362 STJ. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Após o trânsito em julgado, arquivem-se independentemente de despacho posterior.

 

Calçado, 09 de maio de 2017.

Rafael Sampaio Leite

Juiz Substituto em exercício cumulativo FL._________

 

PODER JUDICIÁRIO DE PERNAMBUCO FÓRUM DA COMARCA DE CALÇADO

AV CÂNDIDO ALEXANDRE, 126 - Centro Calcado/PE

CEP: 55375000

Telefone: (87) 37931812/ -

Email: vunica.calcado@tjpe.jus.br

Procs. 0000130-51.2015.8.17.0410 fl. 3



*Essa é uma decisão provisória. Ela já produz efeitos e deve ser cumprida pela(s) empresa(s), mas ainda pode ser modificada até o fim do processo judicial.

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